Lírios de Esperança

Temperança. Sempre.


Em Lírios de Esperança, acompanhamos os primeiros momentos do desencarne de Selena e Marcondes, dirigentes de dois centros espíritas enquanto encarnados. Acolhidos no Hospital Esperança, acompanhamos o difícil desapego de ambos ao purismo doutrinário e à intolerância enquanto temos uma minuciosa descrição de seus pavilhões e dos tratamentos ministrados no local.

Inicialmente, somos apresentados ao momento de desencarne de Eurípedes Barnaufo, em 1918, e sua convocação, por Maria e Bezerra de Menezes, para criar e a servir de mantenedor do Hospital Esperança, local onde seriam socorridos os cristãos falidos de todos os seguimentos, para colher "lírios de esperança em pleno pântano de egoísmo".

Entre uma palestra e outra, um passeio pelas alas e outro pelos pavilhões do hospital, acompanhamos o processo de adaptação de Marcondes e Selena, com diversas reuniões com os principais dirigentes locais, Maria Modesto Cravo, Professor Cícero e Dr. Inácio. Selena é mais permeável (em termos...), mas Marcondes, depois de se deparar uma realidade completamente diferente daquela que apreendeu nos livros que estudou, surtou em mais de uma ocasião. Numa delas, após presenciar uma palestra de Professor Cícero:
"— Estará o meu irmão fazendo uma crítica velada às obras de André Luiz que explicam em detalhes o plano espiritual?
"— Não se trata de crítica, Marcondes. Você está chegando agora em nosso plano e, tanto como nós, verá que muito temos a aprender e a repensar sobre as noções trazidas da vida física acerca do plano espiritual. (...) No entanto, o meu amigo terá tempo bastante para descobrir que, o farto material sobre vida imortal destinado aos homens, por André Luiz, representa minúsculo grão de areia na praia infinita das verdades espirituais. (...)
"— Não sei se devo continuar a escutar essas inovações, pois tenho minhas próprias visões. Minha formação doutrinária não condiz com essa linha excessivamente inovadora. Depois de servir ao Espiritismo por tantos anos, já começo a me decepcionar com o ato da morte. Desde quando cheguei aqui, nada é como esperava – externou o dirigente com um mal súbito. Amiga, não sei se quero aprender ouvindo o que não agrada a mim! Creio não merecer isso depois de tanta luta no corpo. 
"Para corações como Marcondes, é muito constrangedor despir-se de preconceitos enraizados no mundo físico, simplesmente em razão de não se adequar ao dinamismo da troca e da abertura mental para reciclar as concepções e posturas. Ele foi um bom homem, no entanto, descuidou da edificação do reino espiritual em seu sentimento, restringindo-se a volume de informações cerebrais, o que lhe dificulta a adaptação após o desencarne. Elegeu o conhecimento como sinônimo de autoridade e, em verdade, mesmo dizendo ouvir a todos, preferiu sempre seus pontos de vista pessoais". (Capítulo 4)
Pensa que foi só isso? Numa reunião com Dr. Inácio e Professor Inácio, Marcondes solta o verbo!
"— Façamos dessa forma: eu vou lhe fazer algumas perguntas no intuito de auxiliá-lo.
"— Está bem! Comece.
"— Como o senhor se sente em relação à sua experiência reencarnatória?
"— Como um vitorioso. Cumpri minha missão.
"— Qual missão?
"— Suportei médiuns indisciplinados, espíritos renitentes e cooperadores vacilantes durante mais de quatro décadas.
"— Em seu trajeto, ao longo desse tempo, aconteceu muita rotatividade em suas atividades?
'— Sempre! Sabe como são as pessoas, não é mesmo?! Houve muita deserção.
"— Sei! E a que o senhor atribui esse giro contínuo de trabalhadores e tantas deserções?
"— Pura falta de vigilância.
"— E se eu lhe dissesse que muitos deles, em verdade, não o suportavam?! Vai acreditar em mim?
"— Absolutamente, não!
"— Não é o que consta em sua ficha.
"— Esta ficha novamente?! - e olhou com desagrado para o professor que acompanhava o diálogo.
"— Aqui constam várias anotações sobre resultados infelizes de suas atitudes arrogantes, afastando excelentes trabalhadores.
"— Arrogância?! Então ser convicto e determinado é ser arrogante?! Era só o que me faltava! Até no plano espiritual vou ter pendengas e críticas!
"— Quer ler as anotações de seu mentor?" (Capítulo 6)
Como o Hospital Esperança existe para regeneração de espíritos desiludidos, Marcondes foi se renovando e é bonito acompanhar sua caminhada através das páginas. A prepotência deu lugar à curiosidade, à vontade de aprender, a se autoconhecer. A ficha mencionada acima foi feita por seu mentor. Ao final do livro, Marcondes o conhece, finalmente, e só posso dizer que não é quem ele esperava. Nunca ele poderia esperar que seu instrutor seria alguém ligado à Umbanda.

Selena, igualmente, foi deixando para traz a ideia que seu centro espírita não sobreviveria após o seu desencarne e se recuperou do choque quando, ao presenciar uma reunião ao lado de Maria Modesto Cravo, se deu conta que nenhum dos médiuns de sua casa estava contente com suas atitudes rígidas, controladoras e pouco afeitas ao diálogo. Cuidado com aqueles que se julgam pessoas boas!

Como todo livro de Wanderley de Oliveira, há muitas críticas ao movimento espírita atual e muitos conceitos. No entanto, é um dos mais leves do autor nesse quesito e é interessante acompanhar as jornadas de Marcondes e Selena. Vale cada reflexão que ele nos traz, quer você acredite no purismo doutrinário ou não.

O ponto negativo é o mesmo dos demais livros de Wanderley de Oliveira. Como são personagens que já tiveram seus desenvolvimentos em outras histórias, minha sensação é sempre a mesma, a de estar numa festa onde todos se conhecem, menos eu. É um ponto diminutivo, mas não inviabiliza a leitura, que flui mesmo que você nunca tenha se deparado com Eurípedes Barnaufo, Maria Modesto Cravo, Dr. Inácio ou Professor Cícero antes. Os assuntos se repetem em toda a sua obra, com ênfase sempre na mudança da forma de ser do Espírita atual. 
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Lírios de Esperança
Wanderley Oliveira, pelo espírito Ermance Dufaux
Editora Dufaux (2016)
424p. (lido em e-book)
[ 134 ]

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